Pisando em solo sagrado
“Tira
as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que estás é terra
santa” (Ex 3;1).
A narrativa bíblica que nos fala da libertação do povo judeu do
cativeiro no Egito rumo à Terra Prometida inicia com Deus indo
em busca de um fugitivo. Moisés, judeu educado como membro
adotivo da família real egípcia, curtia seu exílio involuntário
nas terras de Jetro, seu sogro, quando encontrou uma sarça que
queimava, mas não se consumia. Antes mesmo de dizer qualquer
coisa, a recomendação de Deus foi para que Moisés tirasse as
sandálias dos pés, porque o lugar em que ele pisava era santo.
Note que Deus nem mesmo disse que tirasse as sandálias em
respeito à presença d’Ele, mas sim ao lugar onde estavam, que
havia sido santificado porque o Espírito do Senhor ali estava.
Com estas palavras diretas, Deus convida a uma postura de
reverência, que é cada dia mais difícil de ser encontrada em
nossos dias. Há locais onde deveríamos passar com extremo
cuidado. A advertência de Deus é clara: o solo é sagrado. E isto
vai muito além de se curvar a cabeça ou se persignar quando
passa em frente a uma igreja ou cemitério, por exemplo (os
antigos chamavam de “campo santo”). Há muitos outros “locais”
sagrados que a humanidade faria bem se tratasse com mais
respeito. O espaço vital das pessoas com quem você convive, por
exemplo.
O relacionamento entre seres humanos é solo sagrado. No entanto,
cada vez menos as pessoas têm consciência deste aspecto, e
invadem a vida alheia sem a menor cerimônia. Línguas afiadas
espalham injúrias, destroem reputações, não cumprem a palavra
empenhada. Não conseguem pisar no terreno das relações humanas
com um mínimo de reverência. Entretanto, cada dia mais somos
informados de privacidades invadidas, casamentos em crise, vidas
expostas na Internet e sabe-se lá mais onde. A discrição anda
fora de moda, e todos parecem a necessidade de dizer tudo sobre
qualquer assunto a qualquer tempo, mesmo quando não foram
consultados.
Somos filhos de um Deus eterno, que criou todas as coisas pela
palavra do seu poder. Á semelhança d’Ele, nossas palavras também
não são pronunciadas sem conseqüências, que podem se prolongar
para além da nossa própria existência. Justamente por isso,
deveríamos vez por outra fazer o exercício de retirar as
sandálias, sentir o toque do sagrado em nossos passos. Se assim
fizéssemos, com certeza o ser humano não andaria tão
freqüentemente por terrenos pantanosos e obscuros, que conduzem
apenas a labirintos.
Portanto, nestes dias em que nada mais parece ser sagrado, a
melhor atitude é andar na contramão. Ao iniciar uma conversa,
entre como quem tem mais a aprender do que a ensinar. Ao firmar
um compromisso, cumpra. Ao cativar uma amizade, não a abandone.
Ao expor uma opinião, seja coerente. Tire as sandálias, porque o
lugar onde estás, os relacionamentos que cultivas, tudo isso é
algo santo e precioso.
Reverendo CLÁUDIO MOREIRA
Missionário e Escritor, pastor da IEQ em Vila Nova do Sul